Tradutor

quarta-feira, junho 04, 2014

Constituição para que te quero

Os comentadores do ETV Mariana Abrantes de Sousa, Hélder de Oliveira e Jorge Ribeirinho Machado analisam o chumbo do Tribunal Constitucional a três medidas do Orçamento do Estado para 2014, num programa conduzido por Eduarda Carvalho. "Conselho Consultivo" de 4 de Junho de 2014.



Não sendo jurista, é difícil comentar sobre o que o Tribunal Constitucional decidiu, melhor focar no que o TC  não decidiu. Ou temos uma Constituição que nos garante um Estado forte, eficiente e eficaz na prestação de serviços públicos essenciais, ou temos uma Constituição que defende prioritariamente os interesses de um qualquer grupo ou corporação, independentemente da forma e da substancia dos seus “direitos adquiridos", mesmo que isso leve os contribuintes ao esgotamento.

Mais uma vez, ficamos a saber que é inconstitucional cortar nos direitos adquiridos, por mais ou insustentáveis que sejam. Entre funcionários públicos, pensionistas e beneficiários das prestações sociais, mais de metade da população portuguesa depende do Orçamento do Estado. Isto para não falar dos empreiteiros, dos fornecedores e muito especialmente,  dos credores. Todos têm “contratos” válidos, supostamente inabaláveis, com o contribuinte como pagador final. Há encargos escondidos no "iceberg" da divida até ao momento de terem que ser pagos, e depois transitam para a dívida pública com uma simples reclassificação, sem sequer passar pela aprovação da Assembleia da Republica

È, de facto, dramático verificar que a Constituição está sempre lá para proteger quem recebe, mas não quem paga, o contribuinte.  Falta saber onde estava o Tribunal  Constitucional quando as empresas públicas acumulavam divida insustentável, quando o Metro do Porto fazia contratos de swap “à  Warren Buffet”  com o nosso dinheiro, quando os alunas tinham furos a matemática nas escolas públicas,  pela incapacidade de mobilizar professores substitutos. 

Como não se consegue reformar o Estado, os cortes inteligentes e selectivos, com base na utilidade e no mérito, acaba-se em cortes cegos e transversais. Cortar salários é uma admissão de incapacidade dos gestores da Administração Pública. Ninguém defenderia cortes nos salários, pensões ou subsídios abaixo de EUR 1000 /mês se isso não fosse absolutamente necessário. Mas EUR 1000 é o salário médio em Portugal,  já é um nível de rendimento que tem que suportar encargos gerais,  tanto as necessidades dos mais pobres como o custo dos erros dos que nos governam. 

A facilidade com que se adquire direitos e se captura o Estado, ou apenas uma migalha do Orçamento, deveria surpreender.  As muito faladas “reformas do Estado” deviam trazermos um Estado menor e melhor, actuando sobretudo na  racionalização da despesa e no controlo do processo orçamental. 

As opções são dramáticas,  e precisam de ser vistas a preto e branco:   Ou cortamos e melhoramos o a despesa pública, ou pagamos impostos confiscatórios, agora que os credores deixaram de financiar os nossos exageros.  É chocante haver ainda quem acredite que as mudanças são facultativas, que podemos continuar a gastar dinheiro que não temos, que nem nunca tivemos. 

O que deveria ser mesmo inconstitucional:
  • Fazer despesa pública sem provisão e sem proveito, dividas acumulada fora do orçamento para fazer elefantes brancos. 
  • Assumir compromissos extra-orçamentais,   sem orçamentação ou cabimentação prévia, como são quase todos os encargos de longo prazo, incluindo as PPP.  Portugal precisa de aplicar com rigor um verdadeiro orçamento de médio prazo, MTEF. 
  • Assumir dívida de empresas públicas, que supostamente gozam de “autonomia financeira”,  pelo menos para se endividarem.  Esta dívida não foi pre-aprovada no Orçamento do Estado, entra para a divida pública pela porta do cavalo, contra todas as regras da boa disciplina financeira.  O Estado-accionista não tem que ser o Estado-garante.  A divida directa e a divida garantida estão sujeitas a limites orçamentais.  O resto do passivo do Sector Empresarial do Estado acumula em roda livre, promovendo um forte moral hazard” entre os credores.  Se os bancos não contassesem com o apoio do Estado, dificilmente fariam swaps mirabolantes com empresas públicas mais imprudentes que eles.  Caveat creditor
  • Fazer contratos de longo prazo, incluindo PPPs, com encargos imprevisíveis (riscos fiscais) para o erário público e sem a  minima transparência.  
Mais que o montante da dívida pública, que apenas reflecte a classificação baseada na forma e não na substancia, o que importa mesmo é a Dívida Externa Bruta, que já vai em EUR 382 biliões a Março 2014, comparado com cerca de EUR 252 biliões em meados de 2009. 

Este aumento de endividamento externo, até à insustentabilidade, inclui:
  •  EUR 79 biliões de financiamento  da Troika para o Estado, dos quais ainda falta desembolsar cerca de EUR 3,5 milhões.  Praticamente não vimos a cor deste suposto “bailout”, que deu meia volta e serviu para  cobrir cerca de 71% dos reembolsos de divida vincenda.
  • EUR 61 biliões de financiamento do Banco Central Europeu aos bancos  portugueses no pico em 2012, que reduziu para cerca de €50 biliões no final de 2013
  • EUR 69,6 biliões  de saldo devedor do Banco de Portugal  no sistema TARGET2, divida aos  outros bancos centrais, nomeadamente ao Bundesbank, no pico em Outubro 2013, que desceu para cerca de 56,6 biliões em Abril 2014
O que fará falta nesta Constituição é uma regra de ouro contra o endividamento, uma vacina contra a alavancagem injustificada e insustentável. Enquanto a Constituição promover e proteger o despesismo, podemos dizer que  faz parte do problema não da solução.   

Mariana Abrantes de Sousa 
PPP Lusofonia 

VER http://videos.sapo.pt/fyHKG7D8WUfR6Hy3ZRKk
2014 Swap bad in Portugal good in Omaha http://ftalphaville.ft.com/2014/05/12/1846972/guest-post-when-float-is-bad-in-portugal-but-good-in-omaha/ 
2014 Encargos extra-orçamentais não são ilegais 
http://ppplusofonia.blogspot.pt/2014/05/assumir-encargos-extra-orcamentais-com.html
2013 Portugal entre os credores e a Constituição 
http://ppplusofonia.blogspot.pt/2013/08/portugal-entre-os-credores-e.html
2012 It takes three to create moral hazard (indiferença ao risco) http://ppplusofonia.blogspot.pt/2012/02/it-takes-three-to-generate-moral-hazard.html
2012 Despesa com via verde constitucional 
 http://ppplusofonia.blogspot.com/2012/11/como-refundar-um-pais-afundado.html
2009 Gestão dos contratos de PPP  
http://ppplusofonia.blogspot.pt/2013/07/o-que-tem-de-ser-tem-muita-forca.html
2009 Encargos orçamentais escondidos no "iceberg" da dívida  http://ppplusofonia.blogspot.pt/2009/12/encargos-extra-orcamentais-com-servicos.html 

14 comentários:

  1. Parece-me que problema maior é a composição do TC. Os juízes são escolhidos pelos partidos e, nos acórdãos recentes, é evidente uma oposição radical (expressão de uma juíza que votou vencida) na interpretação, não da Constituição, mas do Orçamento, entre os juízes escolhidos pelos partidos que hoje estão no governo e os juízes escolhidos pelos partidos que pediram a fiscalização.
    Não é um Tribunal, é uma câmara alta com poder de veto.

    ResponderEliminar
  2. CE recomenda criação de uma "unidade de avaliação central a nível governamental, funcionalmente independente", para avaliar e apresentar relatórios semestrais sobre reformas do sistema judicial e da administração pública portuguesa.

    Acho que já existe.
    Chama-se Assembleia da República

    ResponderEliminar
  3. Subsidios e prestações sociais são rendimento, podem ficar sujeitas a IRS

    ResponderEliminar
  4. Uma câmara alta" não eleita.
    Tipo House of Lords?

    ResponderEliminar
  5. Só não concordo com a parte dos swaps à "Warren Buffet", porque esse senhor não é assim tão idiota como os distintos gestores locais que contraram esses swaps.

    ResponderEliminar
  6. Concordo que o TC tem toda a autoridade para aplicar e interpretar a lei.
    Só que nem o TC nem a nossa deficiente legislação orçamental não fizeram o necessário para impedir chegarmos a esta terrível crise financeira, pela quarta vez em 120 anos.
    Se não mudarmos nada, vai repetir-se a irresponsabilidade que temos visto, e continuamnos a ver como no caso da assumpção da dívida das empresas de transportes.

    Veja-se a chacota que fazem lá fora da nossa gestão financeira http://ftalphaville.ft.com/2014/05/12/1846972/guest-post-when-float-is-bad-in-portugal-but-good-in-omaha/

    Não vejo o TC a promover a disciplina financeira, oxalá que o façam.

    ResponderEliminar
  7. O Governo pode consolidar as contas públicas por meio de expedientes fiscais, reclamando sempre que até preferia "reformas", mas que, como se vê, não lhe deixam alternativa. E todos, caindo em cima do contribuinte, poupam a função pública, que é, historicamente, a base dos nossos partidos políticos.

    ResponderEliminar
  8. Tribunal Constitucional partidarizado, diz estudo

    http://www.jn.pt/PaginaInicial/Nacional/Interior.aspx?content_id=976027&page=-1

    ResponderEliminar
  9. Para mim a resposta é fácil, este é um governo reformista e, em Portugal, reformar alguma coisa no estado é inconstitucional. Alterações nos funcionários, em número ou salários é inconstitucional, fundir concelhos é inconstitucional, etc.

    Por outro lado, deixar tudo como está é constitucional, ir à bancarrota é constitucional, deixar encargos insuportáveis à geração mais jovem é constitucional.

    ResponderEliminar
  10. Pela porta do fundo entra a dívidaquinta-feira, 05 junho, 2014

    A questão do swap do Metro do Porto, é quem aprovou e quem paga.

    A MdP, SA não tem aval implicito, perde dinheiro, o Estado não devia pagar o swap se não deu um aval explicito.

    Assumir dividas não avalizadas isso sim é que deveria ser inconstitucional.
    Bastava um calote para os bancos terem mais cuidado no futuro.
    O que é pior, ser caloteiro ou ser "sucker", otário ?

    Quando o Orange County teve um problema semelhante com derivados tóxicos, será que o estado da California assumiu a divida ?

    ResponderEliminar
  11. No metro do Porto, andam a comprar peças usadas aos chineses para substituição de outras danificadas.
    Tudo encoberto!!

    Quem é caloteiro neste país é protegido e considerado um lutador contra o capitalismo!!
    Enquanto não houver coragem para colocar os parasitas no banco dos réus e ser confiscado os seus bens em prol das mas decisões econômicas nomeadamente nas câmaras municipais, empresas municipais e sob tutela do estado, este país não tem solução !
    Os portugueses são uns cobardes e hipócritas , quem trabalha e é honesto não tem qualquer privilégio , cada vez mais o trabalhador actual vai ver reduzido o valor líquido do seu ordenado reduzido , devido a carga fiscal para sustentar um esquema pirâmide ilegal que é a segurança social .
    O número de pensionistas que evoluí de ano para ano , com reformas atribuídas muitas das vezes de forma irrealista juntamente com as diversas prestações sociais em relação a população activa é surreal , o colapso está muito perto.

    ResponderEliminar
  12. A Constituição da República Portuguesa parece ser algo assimétrica: protege os gastadores, facilita a acumulação de dívida pública mas dificulta a disciplina financeira.

    ResponderEliminar
  13. A Constituição da República Portuguesa parece ser algo assimétrica: protege os gastadores, facilita a acumulação de dívida pública mas dificulta a disciplina financeira.

    ResponderEliminar
  14. Portugal precisa de colocar uma regra orçamental na Constituição

    como a Suecia
    http://blog-pfm.imf.org/pfmblog/2014/04/formal-vs-informal-fiscal-rules-lessons-from-sweden.html

    ResponderEliminar