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quinta-feira, março 22, 2018


O Relatório da CTI2, da Cominssão Técnica Independente sobre os fogos de 15-16 de Outubro que devastaram a Região Centro é de leitura obrigatória para muitos que procuram respostas ao grande desafio da gestão florestal sustentável.  

Para que a floresta seja sustentável em termos ambientais e de segurança, terá que voltar a ser sustentável em termos económicos, como foi referido num artigo anterior sobre a floresta que deixou de ser o mealheiro das famílias.   Apesar de ser um  bem público, a floresta portuguesa é maioritariamente de propriedade privada, em alguns casos votada ao abandono. 

Por isso, antes de ler todas as 216 paginas,  procurei  referências económicas, que são relativamente poucas.   

Notável é a discussão de como promover as arborização de faixas de segurança (de 100 metros de largo) com espécies folhosos com menor risco de incêndios, e a sugestão de alguns incentivos.  


"7.1.6. Integração entre medidas de apoio à arborização e proteção de aglomerados
e) No facto das áreas com arvoredo que apresentam menor risco de incêndio serem também aquelas que normalmente apresentam melhores características ambientais e paisagísticas;

f) Investimentos para a obtenção de espaços rurais com qualidade acima do normal deveremos fazê-lo nos locais onde as pessoas no seu dia-a-dia delas mais possam  usufruir, sendo, portanto, as envolventes dos aglomerados os locais a privilegiar;
....

7.1.7. Programa para uma Infraestruturas Verde de Proteção dos aglomerados

populacionais

....


b) Definição das condições de adesão, com a imperativa necessidade de cumprimento de
objetivos públicos claros de proteção contra incêndios rurais, independentemente de
outros interesses produtivos, públicos ou privados que possam e devam cumprir;
c) Organização e adesão simplificada, em nome pessoal ou de coletividade, com ou sem
titularidade de propriedade;
d) Obrigação de apresentação de evidências físicas e de manutenção de contabilidade
organizada (simplificada), mas em que todos os pressupostos de controlo assentem essencialmente em evidências físicas (tendo como referência os programas europeus
geridos ao nível da comunidade europeia, e não a tradicional gestão massivamente
administrativa do PDR português);
e) Para implementação prioritária na envolvente de aglomerados populacionais;
f) Financiamento forfetário à instalação de culturas ou atividades agrárias (agrícolas ou
florestais) de baixo risco de incêndio (folhosas caducifólias, etc.);
g) Financiamento de prémio anual de manutenção, com valor fixo forfetário, que premeie
as utilizações com intervenções economicamente reduzidas, e sustentáveis a médio
prazo (no limite, por exemplo, pela não necessidade de intervenção);
h) Atribuição de prémios substanciais aos 10 e 20 anos de manutenção da atividade e de
baixo risco de incêndio.
... "

A promoção e gestão destes "serviços eco-sistémicos para UMA FLORESTA SUSTENTÀVEL, prestados por alguns em beneficio de todos, não vai ser fácil.  

Para além de uma Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, precisamos mesmo, mesmo  de uma Agência para a Gestão Integrada da Floresta.  
A começar pela Sustentabilidade Económica. 

Mariana Abrantes de Sousa 




Ver também Floresta tem que dar uma volta de 360º
http://ppplusofonia.blogspot.pt/2018/03/floresta-portuguesa-tem-dar-uma-volta.html



Floresta portuguesa tem que dar uma volta de 360º

A nossa floresta vai ter que dar uma volta de 360º !

Pergunta: 
360 graus é a volta completa, ou seja, vai parar ao mesmo sítio.
Não será antes uma volta de 180º ? 

Resposta:
NÃO, tem mesmo que ser mesmo uma volta de 360º, de um equilíbrio antigo quando as matas eram o mealheiro de muitas famílias, para um equilíbrio novo agora que a floresta absorve, não liberta, recursos, e acrescenta, não reduz, riscos.  Tem tudo que ser repensado desde a base, que é a estrutura fundiária,  os minifúndios que passaram a valer ZERO.
Bjz carro do tojo

Senão vejamos.

Era uma vez uma aldeia na floresta circa 1960, antes da emigração em massa. 

As pessoas, sobretudo as mulheres, juntavam a caruma dos pinheiros e as pinhas para queimar nas lareiras e nos fogões a lenha.  Os arbustos rasteiros eram cortados (roçados) e retirados para aplicar no cultivo dos terrenos. Tudo se aproveitava "roçando o estrume" e carregando o "carro do tojo". A floresta ficava efetivamente limpa de biomassa, palavra então desconhecida.
Nascia alguma erva, que alimentava pequenos rebanhos de ovelhas e cabras, à guarda da criança mais nova da família.
Gestão de biomassa aos molhos 1965

Os pinheiros eram resinados e serviam de mealheiro para a família.  Quando casava a filha, vendiam-se uns tantos pinheiros para pagar a boda. A rama que os madeireiros não levavam era cuidadosamente aproveitada para lenha, ou para estacas e espeques nas vinhas.

A floresta até servia para suplementar os magros "rendimentos" da agricultura de subsistência orientada para o auto-consumo.  Os pinheiros e a resina faziam parte dos "excedentes agrícolas" comercializados, junto com algum azeite, feijão, batatas, milho e vinho. Os da casa bebiam "água-pé".

Bjz rebanho capela
Este humilde equilíbrio ambiental, mas não económico, foi-se perdendo no interior do país.
Famílias inteiras emigraram, para as cidades ou para o estrangeiro, e as que ficaram têm poucos filhos.
Já não há quem junte a caruma e as pinhas, também porque as pessoas que ficaram envelheceram ou passaram a cozinhar com a botija de gás. Já não há crianças para guardar ovelhas.  A resina acabou com a concorrência da China.

As matas foram acumulando matéria orgânica de ano para ano, ardendo aqui e ali.
As silvas tomavam conta de muitos terrenos e matas "abandonadas" sem oposição.
Afinal de contas "as silvas não pedem pão", o "mealheiro" parecia intacto, até reforçado com a plantação avulso de eucaliptos.

Até que vieram os incêndios florestais catastróficos de 2017. 

Boa parte deste "mealheiro florestal" na Região Centro ardeu, deixando a nu as pedras e calhaus e todas as fragilidades da uma "gestão florestal" que não merece o nome.  Os numerosos proprietários de tiras de floresta sofreram grandes perdas patrimoniais  não cobertas por nenhum seguro, nem pelo  Estado que se limita a indemnizar a perda de vidas e de explorações agrícolas: 16 euros por oliveira, 5 euros por videira...

Os pinheiros ardidos ficam desvalorizados. Os maiores vendem-se ao desbarato pois os madeiros não têm mãos a medir. Os pinheirinhos pequenos, é necessário pagar para os tirarem.    Os terrenos que escaparam têm que ser "limpos" dentro de poucas semanas.  Tem que se cortar o mato rasteiro, des-ramar ou esgalhar as árvores, mas a biomassa pode-se deixar no local.  Isto é "limpeza da floresta", tirar as migalhas de cima da mesa e deixá-las no chão?

Trata-se de um trabalho sujo, pesado, perigoso, trabalhar com serras eléctricas, roçadoras, tractores.  O trabalho de desmatação, de áreas queimadas ou não, é urgente, chega para todos, até para agricultores de fim de semana.

Pergunta-se, em que condições está a ser feito ? Os trabalhadores têm seguros de acidentes de trabalho adequados, quando estão a trabalhar nos seus próprios terrenos, ou uns dos outros em regime de entreajuda, ou "ao dia fora" por conta de algum proprietário, ou como voluntários informais ?

O mealheiro da floresta entrou em rotura. 
O desequilíbrio ambiental e económico está à vista. 

A Tia Maria, que tem uma pequena  mata onde guardou ovelhas em criança, tem que pagar a alguém para cortar o mato, que felizmente não ardeu,  talvez 50 euros por dia, acrescido de 30 euros por dia para seguro de trabalhador ocasional.   A pensão de reforma média de 365 euros/mês não chega nem para os medicamentos quanto mais para isto.  Se não cortar o mato, a Câmara Municipal vai fazê-lo e vai-lhe exigir o reembolso das despesas com os sapadores e provavelmente aplicar alguma coima.  Lá se vai a pensão de reforma, naquele mês não vai poder comprar os medicamentos.  Confirma-se que a mata da sua infância passou de ativo a passivo, vale muito menos ou mesmo nada se for pequena e inacessível, terreno de cabras.  Será que a Câmara aceita a dita mata como dação em pagamento?

Perdas patrimoniais não cobertas.

As matas que arderam perderam boa parte do valor.  Em alguns casos os madeireiros já não oferecem dinheiro para cortar os pinheiros queimados. E vai levar anos até voltarem a produzir lenha ou madeira.  Esta perda devido à calamidade dos incêndios está a ser suportada por cada proprietário, que geralmente não tinha seguros.  Em alguns países, estas perdas não cobertas (uninsured casualty losses) poderiam ser deduzidas  em sede de IRS, mas em Portugal não.
O povo que aguente.

Destruição de valor de propriedades no interior.

Com as perdas já sofridas e os riscos acrescidos reflecte-se no valor das propriedades.
Quintas que valiam 500.000 euros são agora vendias por 280.000 euros. E é quando se consegue vender.  Agricultores de 60 ou 70 anos já não conseguem retomar a exploração.

Em busca do equilíbrio perdido: Novo  equilíbrio florestal precisa-se.  

E o povo vai aguentando, empobrecido,  á espera de um novo equilíbrio económico que permita voltar a considerar as matas como uma fonte de receita, em vez de fonte de despesa
Alguém tem que organizar uma gestão florestal sustentável  e remunerar os prestadores de serviços eco-sistémicos, como a gestão da biomassa, a gestão das águas pluviais, etc, que não são auto-financiáveis.  Para já, vamos ter uma Agência para a Gestão Integrada dos Fogos Rurais.   

Não haverá sustentabilidade e segurança ambiental e ecológica sem sustentabilidade económica.  E não haverá sustentabilidade económica com o rendilhado de minifúndios.

Da gestão florestal sustentável, em termos económicos, ambientais e de segurança ainda pouco se fala e menos se sabe.

Necessitamos uma campanha contra o minifundio e a favor de uma floresta sustentável com emparcelamento e serviços ecossistémicos remunerados e subsidiados. 

Mariana Abrantes de Sousa
Beijós, Aldeia+VERDE