As empresas públicas de transportes, que andaram em roda livre entre as duas Tutelas durante muitos anos, acumulando défices e dívidas, estão agora a passar por uma cura de emagrecimento forçado.
O novo plano de saneamento financeiro das empresas públicas é ambicioso. Talvez seja desta vez que se ultrapasse a habitual desarticulação entre a Tutela sectorial e a Tutela financeira, com a Secretaria de Estado dos Transportes a tratar das condições de exploração, até à “linha EBITDA", e o Ministério das Finanças a gerir a parte do financiamento e sobretudo da dívida histórica.
Da responsabilidade da SE Transportes – Resultados operacionais até ao EBITDA
O Plano Estratégico dos Transportes 2011-2015 e o Programa de Ajustamento negociado com a Troika, estabelecem o objectivo primordial de atingir resultados de exploração positivos no final deste ano de 2012, um façanha que merecerá certamente estátua em cada cidade. Para isso, o Governo está a reestruturar as empresas públicas do sector dos transportes, com fusões a nível das áreas metropolitanas, novos modelos de gestão, racionalização da oferta de serviços, aumento das tarifas, redução de descontos, redução de custos operacionais, incluindo redução de pessoal, etc.
No entanto, a crise, o desemprego e os aumentos das tarifas estão a levar a uma queda acentuada na procura (na ordem de -5% a -10% ) , salvo honrosas excepções como o Metro do Porto. Mesmo assim, as empresas reportam aumentos nos nas receitas totais (na ordem de +5% a +10%), mas os resultados operacionais continuam negativos pois os custos operacionais descem pouco (-2% a -3%) e até sobem em alguns casos. A redução de pessoal tem sido conseguida em boa parte com rescisões que têm custos de indemnização para a entidade patronal.
Ainda na vertente operacional, estas empresas públicas que operam em regime de quase-monopólio, têm também o quase-monopólio das greves, onerando ainda mais os custos para o resto da economia.
Da responsabilidade do MdF – Financiamento e dívida sustentável
Segundo o relatório 'Fiscal Monitor' do FMI, um documento sobre contas publicas, Portugal surge entre os 14 países com maior volume de dívida extra-orçamental, o conhecido "debt iceberg" de divida escondida bem conhecido pelo menos desde 2007.
Desde logo, as empresas publicas têm ordem para vendar activos e imobiliário não afectos à actividade e aplicar os proveitos das alienações no redução da dívida.
Entretanto, o Estado tem vindo a reembolsar ao par toda a dívida vincenda das empresas públicas, não apenas aquela com garantia de pagamento do Estado, através de financiamento do Tesouro
(€5.7 mil milhões em 2011). Os bancos nacionais também têm vindo a substituir os credores internacionais, o que tem agravado ainda mais os seus problemas de liquidez, ao ritmo de quase €1 mil milhões em alguns meses. As necessidades para 2012 foram estimadas em mais de € 5 mil milhões de refinanciamento. A isto acresce mais €2 mil milhões de novas necessidades de financiamento, boa parte devido ao pagamento de juros sobre a divida existente, uma vez que o endividamento global das empresas do Estado alcançou 47,4 mil milhões de euros a Março 2012, segundo o boletim estatístico do Banco de Portugal.
Este esforço de tratar a dívida das empresas públicas, quer tenha ou não garantia do Estado, de forma "não diferente da dívida pública" é meritório, mas está a revelar-se inglório, pois acaba por "nacionalizar" todo o sacrifício necessário o para resolver um problema em que os credores externos tiveram uma parte activa. O facto é que houve graves erros de avaliação de risco também da parte dos investidores que nem sequer exigiram o aval do Estado, e que boa parte desta dívida existente já era insustentável quando foi contratada.
Neste contexto, os credores externos que estão a ser "reembolsados ao par" estão também eles a receber "rendas", isto é a receber remunerações superiores àquelas justificadas pela realidade económica.
Se, como as autoridades reafirmam, "não serão os utentes nem os trabalhadores a pagar a dívida" das empresas públicas de transportes, então o sacrifício acabará por tocar uma vez mais aos contribuintes, se não for partilhado com os credores, nomeadamente os credores externos.
A prova que as “soluções” intentadas até á data são insustentáveis, que protegeram sobretudo os credores externos, é o agravamento da crise e da fuga de capitais dos países deficitários para os paíes credores superavitários.
Uma solução de fundo, visando maximizar a poupança do Estado e dos contribuintes com base na partilha de sacrifícios, implica conseguir contrapartidas superiores aos sacrifícios de 20-30% pedidos aos contribuintes portugueses no âmbito do programa de ajustamento das contas públicas. Isto poderia ser conseguido através de um programa de recompra a desconto (debt buyback) ou de restruturação da divida histórica (debt restructuring) com refinanciamento a longo prazo e redução de encargos.
No que toca a novas necessidades de financiamento, não derivadas do serviço da dívida existente, os montantes terão que ser minimizados e voltar a ser enquadrados e cabimentados directamente pelo Orçamento do Estado.
Mariana Abrantes de Sousa
PPP Lusofonia
Fontes: http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=551563 , http://www.dinheirovivo.pt/Economia/Artigo/CIECO046696.html
Iceberg de dívida escondida http://ppplusofonia.blogspot.pt/2009/12/encargos-extra-orcamentais-com-servicos.html
Mais sobre o SOE//SEE sector empresarial do Estado http://ppplusofonia.blogspot.pt/search/label/SOE%2FSEE
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