Depois de descobrir buracos atrás de buracos orçamentais, o contribuinte não pode senão sentir-se aliviado ao ouvir o Ministro das Finanças professar “tolerância zero” contra as derrapagens orçamentais. E essa nova disciplina financeira deveria começar no próprio Ministério das Finanças, em duas das áreas que estão sob o controlo directo da DGTF, o Sector Empresarial do Estado (SEE) e as Parcerias Público-Privadas (PPP).
Quanto às PPP, as surpresas têm sido ainda piores. Entre 2008 e 2010, o montante dos encargos líquidos anuais com as PPP mais do que duplicou para 1.128 milhões de euros em 2010, mais 19% face ao valor previsto.
A reestruturação do SEE vai certamente no bom caminho, com a fusão e extinção de empresas desnecessárias, as reduções salariais para níveis da Administração Pública, etc. A redução dos planos de investimento e a racionalização da prestação de serviços públicos serão justificados em muitos casos, ainda que a diminuição significativa dos níveis de serviço e o redimensionamento dos quadros de pessoal venham a ser bastante contestados. Não é por acaso que as empresas públicas quase-monopolistas continuam a sofrer greves. Já a privatização ou concessão de serviços públicos deficitários a privados será bastante mais difícil de implementar, e talvez pouco recomendável. Pior que uma empresa pública mal gerida, só mesmo um mau contrato de concessão em que o concessionário acaba por ditar condições ao Concedente.
Faria todo o sentido que todas as empresas do SEE, e não apenas aquelas que são integradas no perímetro da Administração Pública, passassem a ter obrigações de reporte análogas às dos Fundos e Serviços Autónomos, pois elas são geralmente caracterizadas pela mesma dependência do contribuinte. Por isso, todas as empresas deveriam ficar obrigadas ao reporte mensal de compromissos assumidos, de pagamentos em atraso e de prestação de contas não apenas junto da DGTF, mas sobretudo junto do próprio Ministério da tutela. Efectivamente, seria bastante mais transparente que toda a despesa e todo o passivo das empresas de transporte figurasse nas contas do Programa Orçamental de Transportes, as despesas e passivos dos hospitais nas contas do Programa de Saúde, etc.
Em resumo, a tendência de desorçamentação que transferiu grandes quantias de despesa do controlo da DGO-Direcção Geral do Orçamento para o controlo muito menos eficaz da DGTF-Direcção Geral de Tesouro e Finanças deveria ser definitivamente invertida. Para isso, o novo enquadramento jurídico do SEE esperado até ao final de 2011, deveria ter como objectivo a reintegração dos operadores de serviços públicos no respectivo programa orçamental, reforçando a tutela sectorial.
As empresas do SEE têm cerca de 4.460 milhões de dívida a refinanciar em 2012, ao qual acresce 1.950 milhões de novas necessidades de financeiras (leia-se prejuízos e novos investimentos). As necessidades de financiamento em 2012 podem ainda ser maiores se a divida que vence até ao final de 2011 for refinanciada por períodos inferiores a um ano.
Assiste-se agora a um jogo do empurra no que toca à dividado SEE. A dívida (distressed debt) das empresas públicas portuguesas como a REFER e a Parpública está a ser negociada a grande desconto no mercado secundário, até ao momento em que se aproxima da data de vencimento e é reembolsada ao par, graças a empréstimos do Tesouro ou de bancos locais. Os investidores nacionais não têm liquidez para poder aceder a este negócio e capturar o desconto. Por isso os bancos propõem ao Estado a criação de um banco ou fundo de investimento especializado para deter estes activos. Como sempre, falta dinheiro para ganhar dinheiro.
Quanto às PPP, as surpresas têm sido ainda piores. Entre 2008 e 2010, o montante dos encargos líquidos anuais com as PPP mais do que duplicou para 1.128 milhões de euros em 2010, mais 19% face ao valor previsto.
Em 2011, os encargos líquidos chegarão a 1.590 milhões de euros, mais 41% face ao ano anterior, devido em parte à reclassificação de alguns projectos como Administração Pública. Os encargos líquidos previstos para o ano de 2012, de cerca de 1.036 milhões de euros, podem aumentar se a quebra de tráfego decorrente da introdução de portagens for superior à prevista. A suspensão de novos contratos de PPP é uma medida prudente, bem como a reavaliação dos projectos e a criação de uma Agência de PPPs para centralizar a informação e a gestão dos contratos de concessão. De facto, Portugal tem mais de 100 contratos PPP mas não se pode dizer que existe um “Pograma de PPP”, pois não tem havido uma gestão devidamente articulada e centralizada. Mais uma vez, os encargos e a gestão dos contratos de PPP devem ser integrados no orçamento do respectivo programa sectorial a fim de minorar a natural assimetria de informação que favorece o concessionário à medida que o Concedente vai ficando cada vez mais afastado da prestação do serviço público.
Mas os riscos orçamentais com os contratos de PPP são certamente superiores aos indicados no Relatório do OE, incluindo os 78 milhões de euros para os pórticos nas SCUT. As reclamações de concessionários são um risco constante. Naquelas que foram submetidas a arbitragem, o Concedente têm pago menos de 20% do montante reclamado. Mas algumas concessões têm sido renegociados diversas vezes, em regime de ajuste directo, e com alteração significativa das condições negociais, incluindo o prazo da concessão e a afectação de riscos entre o Concedente e o concessionário.
O valor actualizado dos pagamentos futuros do Concedente aos parceiros privados é agora estimado em 26.004 milhões de euros o que representa 15,1% do PIB actual (15.129 milhões de euros (8.8% do PIB), em termos de encargos líquidos da respectiva receita).
Mas a lacuna mais grave é mesmo a falta de definição de um limite máximo anual para a contratação de parcerias publico-privadas, de acordo como o artº 31º 1(l) da Lei de Enquadramento Orçamental. Esta é, mais uma vez, uma falha injustificável quando se procura recuperar a credibilidade da gestão orçamental do programa de PPPs. Ao contrário de outros tipos de contratação que têm que estar devidamente cabimentados dentro das restrições orçamentais do OE, as PPPs continuam em regime de “via verde”, com a factura a aparecer muito mais tarde. A disciplina, a transparência e tolerância zero deveriam começar por aqui.
Uma primeira estimativa do limite que faltava no Orçamentos anuais está na página 14 do Relatório da DGTF sobre PPPs e Concessões.
Ainda vamos a tempo de incluir o limite no OE-2012, que segundo acordado com a troika vai ser muito próximo de zero.
Uma primeira estimativa do limite que faltava no Orçamentos anuais está na página 14 do Relatório da DGTF sobre PPPs e Concessões.
Ainda vamos a tempo de incluir o limite no OE-2012, que segundo acordado com a troika vai ser muito próximo de zero.
Mariana Abrantes de Sousa
PPP Lusofonia
PPP Lusofonia
17-Outubro-2011
Ver artigo "Mais juízo orçamental não depende de mais juízes"
Ver Estatutos do novo Conselho de Finanças Públicas , Lei nº 54/2011 de 19-Outubro
Ver artigo "Mais juízo orçamental não depende de mais juízes"
Ver Estatutos do novo Conselho de Finanças Públicas , Lei nº 54/2011 de 19-Outubro
Mariana Abrantes Ver relatório da DGTF sobre as PPP e Concessões, especialmente o Gráfico 2.1 com a Variação Anual do Investimento em regime de PPP (pg 14), que deveria ter sido enquadrado no limite aprovado na lei do Orçamento de Estado http://www.dgtf.pt/ResourcesUser/PPP/Documentos/Relatorios/2010/Relatorio_PPP_Concessoes_2010.pdf
ResponderEliminarPorque é que só fazem greve os funcionários efectivos de empresas monopolistas?
ResponderEliminarPorque se aproveitam do poder monopolista da entidade patronal.
Um abuso de "direitos" pago pelos trabalhadores por conta própria que não se podem dar a esse luxo.