O recente Relatório de Auditoria n.º 03/14 do Tribunal de Contas sobre as concessões municipais de água vem esclarecer o mau desempenho de boa parte das 27 concessões do sector que abrangem 44 municípios.
Recorde-se que a distribuição de água é um serviço municipal que pode ser operado directamente pela Câmara Municipal, ou através de um SMAS serviço municipalizado de água e saneamento inteiramente público, o que acontece em mais de 90% dos 308 municípios. Os municípios têm autonomia para se tornarem concedentes com contratos de 20-40 anos, mesmo que não tenham experiência nem capacidade financeira para o fazer, pois os encargos públicos com PPP e concessões não são considerados dívida pública.
Muitos dos municípios são pequenos, 115 têm menos de 10 mil habitantes. O Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Territórioe e o regulador ERSAR promoveu alguma harmonização de boas praticas, de uma forma mais ou menos facultativa. Em 2009 com o Decreto-Lei n.º 277/2009 o ERSAR, o regulador cuja principal missão é proteger o consumidor, foi incumbido de emitir pareceres, obrigatórios mas não vinculativos, sobre as peças concursais, as minutas do contrato de concessão e respectivas alterações (nomeadamente no âmbito de reequilíbrios). Com 27 concessões de água e muitos reequilíbrios e renegociações, o ERSAR só fez 8 auditorias.
As concessões são um forma de contratação antiga. Já há cerca de 130 anos, a Camara Municipal do Porto outorgou uma concessão de obras e serviços de águas à Compagnie Générale des Eaux pour L’Étranger. Esta concessão durou de cerca 1880 até 1927 e foi caracterizada por incumprimentos, conflitos, decisões de juízo arbitral, etc. O desempenho da concessionária poderá ter contribuido para o relativo atraso do Porto na "Transição Epidemiológica" segundo um artigo publicado na Analise Social em 2000.
Para este relatório o TdC examinou 19 das 27 concessões municipais de distribuição de águas (em baixa), contratos baseadas no Decreto-Lei n.º 379/93, que definiu “o regime de exploração e gestão dos sistemas multimunicipais e municipais de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, de recolha, tratamento e rejeição de efluentes e de recolha e tratamento de resíduos sólidos”. Esta legislação não exigia estudos de viabilidade. Em parte, trata-se de sistemas de água e saneamento que já existiam, por isso os concessionários deveriam remunerar o concedente pelo direito de exploração e de cobrança ao utlizador
O TdC aponta algumas conclusões importantes:
* Falta de transferência de riscos, sobretudo riscos do volume da procura, para o parceiro-privado
(ex. Barcelos, do Fundão, de Valongo, de Paços de Ferreira e de Santo Tirso/Trofa)
* Clausulas de .reequilíbrio financeiro demasiado abertas, quase todas as alterações legislativas e regulamentares podem, na prática, potenciar pedidos de reequilíbrio financeiro a favor das concessionárias. (ex. Matosinhos)
* Cerca de 74% dos contratos de concessão prevêem, expressamente, a possibilidade das concessionárias serem ressarcidas pelos municípios concedentes em relação ao caso base, no caso de se verificar uma determinada redução do volume total de água faturado e da estimativa de evolução do número de consumidores. (Minimum Revenue Guarantee). Entretanto, os caudais consumidos e faturados, têm ficado entre 10% a 30% abaixo dos valores estimados no caso base.
(ex: Barcelos, de Paços de Ferreira, de Paredes, de Carrazeda e de Marco de Canaveses)
* Falta de análises de risco e de sustentabilidade orçamental da parte dos municípios concedentes, que apresentaram falta de capacidade para contratar e controlar concessões. Um caso em que a autonomia excede a capacidade de gestão.
* Mais de 96% dos eventos elegíveis para efeitos de reequilíbrio financeiro ou revisão contratual resultaram do défice de procura respeitante aos caudais estimados, de modificações unilaterais ao tarifário e de alterações ao plano de investimento.
Reposição de reequilíbrio dos contratos de concessão privilegiadas pelos concedentes, tem sido através do aumento do tarifário aos utentes e a redução/eliminação da retribuição paga aos municípios concedentes.
Algumas recomendações do TdC:
• Reforçar os poderes e capacidades da ERSAR como regulador económico do sector e como apoio técnico dos municipios concedentes, como definido no memorando de entendimento com a Troika)
• Rever o regime jurídico dos serviços municipais de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos, em consonância com os princípios e boas práticas constantes do Regime geral das PPP
• Eliminar a clausula que permite reequilíbrio a favor do concedente apenas se a TIR acionista for superior ao dobro daquela que consta do caso base inicial.
• Exigir estudos de viabilidade económico-financeiro, comparador público, e a análise dos riscos específicos do projeto, em termos da comportabilidade dos encargos e benefícios envolvidos para o concedente
• Rever a metodologia inerente aos processos de reequilibrio e limitar os eventos a considerar.
• Transferir o risco de construção, gestão, exploração, manutenção, conservação e financiamento dos serviços concessionados para a concessionária.
• Aplicar o Decreto-Lei n.º 194/2009, de 20 de agosto, devem ser acautelados princípios e pressupostos elementares constantes do regime geral das PPP e do Código dos Contratos Públicos.
• Rever em baixa as expetativas de remuneração inicial dos acionistas da concessionária, especialmente TIR acionistas superiores a 10% .
Outras recomendações
Mas é urgente ir mais além para corrigir os excessos das PPP, aplicando outras medidas recomendadas, sem as quais as PPP continuarão a apresentar riscos inaceitáveis para o contribuinte (fiscal risks). É necessário BLINDAR as PPP contra os erros de gestão.
- O concedente público deve quantificar e orçamentar or cabimentar todos os encargos, previsíveis e não só, com a concessão, durante pelo menos 10-anos, e passivo com as PPP deve ser incluído no limite de endividamento público e aprovado anualmente na Assembleia Municipal ou na Assembleia da Republica. O passivo com PPP é divida comercial mas acarreta mais riscos do que a dívida pública financeira, e deve estar sujeito a limites pre-aprovados, aplicando o artº 31 da Lei de Enquadramento Orçamental na íntegra.
- Deveria haver um limite aos excesso de encargos liquidos para o Concedente, relativamente aos valores do caso base devidamente cabimentados, por qualquer motivo, que lhe permitisse resgatar a concessão e abrir novo concurso. Isto poderia servir de travão automático às reclamações de reequilibrio sucessivo, pondo termo a contratos problemáticos.
- As tarifas devem estar sujeitas à Regulação económica da ERSAR, que deve prevalecer sobre as clausulas contratuais no que respeita à confortabilidade das tarifas ao utilizador e à qualidade de serviço. Em muitos países, esta revisão pelo regulador sectorial é feita cada 5 anos anos, em termos que os concessionários conhecem e aceitam quando concorrem à concessão. Isto serve de tecto e de pre-aviso às concessionárias que as suas pretensões de aumento de preço terão limite e que terão que apostar na eficiência. Para isto será necessário explicar à Associação de Municípios porque é que os monopólios naturais de serviços públicos têm que ser sujeitos a regulação independente, como se aprende nas às aulas de economia
- Os responsáveis pela gestão imprudente e danosa dos contratos de concessão existentes devem responder perante a justiça, para que se venham a conhecer bem as consequências.
A má gestão das PPP, incluindo as municipais, foi um dos principais factores que levou o rating the República Portuguesa ao lixo. Se deixarmos passar, voltará a acontecer.
Mariana ABRANTES de Sousa
PPP Lusofonia
Fontes:
Maia (2000) Transição epidemiológica, infra-estruturas urbanas e desenvolvimento: a cidade do Porto, Análise Social http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1218811605V0pTE5ay7Qo57FI9.pdf
Artigo 31, Lei de Enquadramento Orçamental http://ppplusofonia.blogspot.pt/2010/05/leo-lei-de-enquadramento-orcamental-vai.html
Recorde-se que a distribuição de água é um serviço municipal que pode ser operado directamente pela Câmara Municipal, ou através de um SMAS serviço municipalizado de água e saneamento inteiramente público, o que acontece em mais de 90% dos 308 municípios. Os municípios têm autonomia para se tornarem concedentes com contratos de 20-40 anos, mesmo que não tenham experiência nem capacidade financeira para o fazer, pois os encargos públicos com PPP e concessões não são considerados dívida pública.
Muitos dos municípios são pequenos, 115 têm menos de 10 mil habitantes. O Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Territórioe e o regulador ERSAR promoveu alguma harmonização de boas praticas, de uma forma mais ou menos facultativa. Em 2009 com o Decreto-Lei n.º 277/2009 o ERSAR, o regulador cuja principal missão é proteger o consumidor, foi incumbido de emitir pareceres, obrigatórios mas não vinculativos, sobre as peças concursais, as minutas do contrato de concessão e respectivas alterações (nomeadamente no âmbito de reequilíbrios). Com 27 concessões de água e muitos reequilíbrios e renegociações, o ERSAR só fez 8 auditorias.
As concessões são um forma de contratação antiga. Já há cerca de 130 anos, a Camara Municipal do Porto outorgou uma concessão de obras e serviços de águas à Compagnie Générale des Eaux pour L’Étranger. Esta concessão durou de cerca 1880 até 1927 e foi caracterizada por incumprimentos, conflitos, decisões de juízo arbitral, etc. O desempenho da concessionária poderá ter contribuido para o relativo atraso do Porto na "Transição Epidemiológica" segundo um artigo publicado na Analise Social em 2000.
Para este relatório o TdC examinou 19 das 27 concessões municipais de distribuição de águas (em baixa), contratos baseadas no Decreto-Lei n.º 379/93, que definiu “o regime de exploração e gestão dos sistemas multimunicipais e municipais de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, de recolha, tratamento e rejeição de efluentes e de recolha e tratamento de resíduos sólidos”. Esta legislação não exigia estudos de viabilidade. Em parte, trata-se de sistemas de água e saneamento que já existiam, por isso os concessionários deveriam remunerar o concedente pelo direito de exploração e de cobrança ao utlizador
O TdC aponta algumas conclusões importantes:
* Falta de transferência de riscos, sobretudo riscos do volume da procura, para o parceiro-privado
(ex. Barcelos, do Fundão, de Valongo, de Paços de Ferreira e de Santo Tirso/Trofa)
* Clausulas de .reequilíbrio financeiro demasiado abertas, quase todas as alterações legislativas e regulamentares podem, na prática, potenciar pedidos de reequilíbrio financeiro a favor das concessionárias. (ex. Matosinhos)
* Cerca de 74% dos contratos de concessão prevêem, expressamente, a possibilidade das concessionárias serem ressarcidas pelos municípios concedentes em relação ao caso base, no caso de se verificar uma determinada redução do volume total de água faturado e da estimativa de evolução do número de consumidores. (Minimum Revenue Guarantee). Entretanto, os caudais consumidos e faturados, têm ficado entre 10% a 30% abaixo dos valores estimados no caso base.
(ex: Barcelos, de Paços de Ferreira, de Paredes, de Carrazeda e de Marco de Canaveses)
* Falta de análises de risco e de sustentabilidade orçamental da parte dos municípios concedentes, que apresentaram falta de capacidade para contratar e controlar concessões. Um caso em que a autonomia excede a capacidade de gestão.
* Mais de 96% dos eventos elegíveis para efeitos de reequilíbrio financeiro ou revisão contratual resultaram do défice de procura respeitante aos caudais estimados, de modificações unilaterais ao tarifário e de alterações ao plano de investimento.
Reposição de reequilíbrio dos contratos de concessão privilegiadas pelos concedentes, tem sido através do aumento do tarifário aos utentes e a redução/eliminação da retribuição paga aos municípios concedentes.
Algumas recomendações do TdC:
• Reforçar os poderes e capacidades da ERSAR como regulador económico do sector e como apoio técnico dos municipios concedentes, como definido no memorando de entendimento com a Troika)
• Rever o regime jurídico dos serviços municipais de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos, em consonância com os princípios e boas práticas constantes do Regime geral das PPP
• Eliminar a clausula que permite reequilíbrio a favor do concedente apenas se a TIR acionista for superior ao dobro daquela que consta do caso base inicial.
• Exigir estudos de viabilidade económico-financeiro, comparador público, e a análise dos riscos específicos do projeto, em termos da comportabilidade dos encargos e benefícios envolvidos para o concedente
• Rever a metodologia inerente aos processos de reequilibrio e limitar os eventos a considerar.
• Transferir o risco de construção, gestão, exploração, manutenção, conservação e financiamento dos serviços concessionados para a concessionária.
• Aplicar o Decreto-Lei n.º 194/2009, de 20 de agosto, devem ser acautelados princípios e pressupostos elementares constantes do regime geral das PPP e do Código dos Contratos Públicos.
• Rever em baixa as expetativas de remuneração inicial dos acionistas da concessionária, especialmente TIR acionistas superiores a 10% .
Outras recomendações
Mas é urgente ir mais além para corrigir os excessos das PPP, aplicando outras medidas recomendadas, sem as quais as PPP continuarão a apresentar riscos inaceitáveis para o contribuinte (fiscal risks). É necessário BLINDAR as PPP contra os erros de gestão.
- O concedente público deve quantificar e orçamentar or cabimentar todos os encargos, previsíveis e não só, com a concessão, durante pelo menos 10-anos, e passivo com as PPP deve ser incluído no limite de endividamento público e aprovado anualmente na Assembleia Municipal ou na Assembleia da Republica. O passivo com PPP é divida comercial mas acarreta mais riscos do que a dívida pública financeira, e deve estar sujeito a limites pre-aprovados, aplicando o artº 31 da Lei de Enquadramento Orçamental na íntegra.
- Deveria haver um limite aos excesso de encargos liquidos para o Concedente, relativamente aos valores do caso base devidamente cabimentados, por qualquer motivo, que lhe permitisse resgatar a concessão e abrir novo concurso. Isto poderia servir de travão automático às reclamações de reequilibrio sucessivo, pondo termo a contratos problemáticos.
- As tarifas devem estar sujeitas à Regulação económica da ERSAR, que deve prevalecer sobre as clausulas contratuais no que respeita à confortabilidade das tarifas ao utilizador e à qualidade de serviço. Em muitos países, esta revisão pelo regulador sectorial é feita cada 5 anos anos, em termos que os concessionários conhecem e aceitam quando concorrem à concessão. Isto serve de tecto e de pre-aviso às concessionárias que as suas pretensões de aumento de preço terão limite e que terão que apostar na eficiência. Para isto será necessário explicar à Associação de Municípios porque é que os monopólios naturais de serviços públicos têm que ser sujeitos a regulação independente, como se aprende nas às aulas de economia
- Os responsáveis pela gestão imprudente e danosa dos contratos de concessão existentes devem responder perante a justiça, para que se venham a conhecer bem as consequências.
A má gestão das PPP, incluindo as municipais, foi um dos principais factores que levou o rating the República Portuguesa ao lixo. Se deixarmos passar, voltará a acontecer.
Mariana ABRANTES de Sousa
PPP Lusofonia
Fontes:
Maia (2000) Transição epidemiológica, infra-estruturas urbanas e desenvolvimento: a cidade do Porto, Análise Social http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1218811605V0pTE5ay7Qo57FI9.pdf
Artigo 31, Lei de Enquadramento Orçamental http://ppplusofonia.blogspot.pt/2010/05/leo-lei-de-enquadramento-orcamental-vai.html
Relatório 3/14 do Tribunal de Contas http://www.tcontas.pt/pt/actos/rel_auditoria/2014/2s/audit-dgtc-rel003-2014-2s.shtm
Associação de Municipios contra a regulação de monopólios http://www.tsf.pt/PaginaInicial/Economia/Interior.aspx?content_id=3655914
AEPSA (Associação das Empresas Portuguesas para o Sector do Ambiente) http://economico.sapo.pt/noticias/aepsa-alertou-governo-para-distorcoes-nas-ppp-das-aguas_188244.html
Associação de Municipios contra a regulação de monopólios http://www.tsf.pt/PaginaInicial/Economia/Interior.aspx?content_id=3655914
AEPSA (Associação das Empresas Portuguesas para o Sector do Ambiente) http://economico.sapo.pt/noticias/aepsa-alertou-governo-para-distorcoes-nas-ppp-das-aguas_188244.html
Alguém tem explicar aos autarcas porque é que o preço da água tem que ser regulado por um regulador independente porque se trata de um serviço público monopolista.
ResponderEliminarhttp://www.tsf.pt/PaginaInicial/Economia/Interior.aspx?content_id=3655914
Com a aplicação da Lei nº 73/2013, compromissos dos municípios e das freguesias pelo Estado.
ResponderEliminarSem prejuízo das situações legalmente previstas, o Estado NÃO pode assumir responsabilidade pelas obrigações dos municípios e das freguesias, nem assumir os compromissos que decorram dessas obrigações."
... que não impediu o sobre-endivicamento de alguns municipios...