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quarta-feira, março 05, 2014

Concessões por água abaixo

O recente Relatório de Auditoria n.º 03/14 do Tribunal de Contas sobre as concessões municipais de água vem esclarecer o mau desempenho de boa parte das 27 concessões do sector que abrangem 44 municípios.

Recorde-se que a distribuição de água é um serviço municipal que pode ser operado directamente pela Câmara Municipal, ou através de um SMAS serviço municipalizado de água e saneamento inteiramente público, o que acontece em mais de 90% dos 308  municípios. Os municípios têm autonomia para se tornarem concedentes com contratos de 20-40 anos, mesmo que não tenham experiência nem capacidade financeira para o fazer, pois os encargos públicos com PPP e concessões não são considerados dívida pública.

Muitos dos municípios são pequenos, 115  têm menos de 10 mil habitantes.   O Ministério do Ambiente   e do Ordenamento do Territórioe  e o regulador ERSAR promoveu alguma  harmonização de boas praticas, de uma forma mais ou menos facultativa.  Em 2009 com o Decreto-Lei n.º 277/2009  o ERSAR, o regulador cuja principal missão é  proteger o consumidor, foi incumbido de emitir pareceres, obrigatórios mas não vinculativos,  sobre as peças concursais,   as minutas do contrato de concessão e respectivas alterações (nomeadamente no âmbito de reequilíbrios). Com 27 concessões de água e muitos reequilíbrios e renegociações, o ERSAR só fez 8 auditorias.

As concessões são um forma de contratação antiga.  Já há cerca de 130 anos, a Camara Municipal do Porto outorgou uma concessão de obras e serviços de águas à Compagnie Générale des Eaux pour L’Étranger.  Esta concessão durou de cerca 1880 até 1927 e foi caracterizada por incumprimentos, conflitos, decisões de juízo arbitral, etc.  O desempenho da concessionária poderá ter contribuido para o relativo atraso do Porto na "Transição Epidemiológica" segundo um artigo publicado na Analise Social em 2000.

Para este relatório o TdC examinou  19 das 27 concessões municipais de distribuição de águas (em baixa), contratos baseadas no Decreto-Lei n.º 379/93, que definiu “o regime de exploração e gestão dos sistemas multimunicipais e municipais de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, de recolha, tratamento e rejeição de efluentes e de recolha e tratamento de resíduos sólidos”. Esta legislação não exigia estudos de viabilidade.  Em parte, trata-se  de sistemas de água e saneamento que já existiam, por isso os concessionários deveriam remunerar o concedente pelo direito de exploração e de cobrança ao utlizador

O TdC aponta algumas conclusões importantes: 
* Falta de transferência de riscos, sobretudo riscos do volume da procura,  para o parceiro-privado
(ex. Barcelos, do Fundão, de Valongo, de Paços de Ferreira e de Santo Tirso/Trofa)
* Clausulas de .reequilíbrio financeiro demasiado abertas, quase todas as alterações legislativas e regulamentares podem, na prática,  potenciar pedidos de reequilíbrio financeiro a favor das concessionárias.  (ex. Matosinhos)
* Cerca de 74% dos contratos de concessão prevêem, expressamente, a possibilidade das concessionárias serem ressarcidas pelos municípios concedentes em relação ao caso base, no caso de se verificar uma determinada redução do volume total de água faturado e da estimativa de evolução do número de consumidores. (Minimum Revenue Guarantee). Entretanto, os caudais consumidos e faturados, têm ficado entre 10% a 30% abaixo dos valores estimados no caso base.
(ex:  Barcelos, de Paços de Ferreira, de Paredes, de Carrazeda e de Marco de Canaveses)
* Falta de  análises de risco e de sustentabilidade orçamental da parte dos municípios concedentes, que apresentaram falta de capacidade para contratar e controlar concessões. Um caso em que a autonomia excede a capacidade de gestão.
* Mais de 96% dos eventos elegíveis para efeitos de reequilíbrio financeiro ou revisão contratual resultaram do défice de procura respeitante aos caudais estimados, de modificações unilaterais ao tarifário e de alterações ao plano de investimento.
Reposição de reequilíbrio dos contratos de concessão privilegiadas pelos concedentes, tem sido  através do aumento do tarifário aos utentes e a redução/eliminação da retribuição paga aos municípios concedentes.

Algumas recomendações do TdC:  
Reforçar os poderes e capacidades da ERSAR como regulador económico do sector e como apoio técnico dos municipios concedentes, como definido no memorando de entendimento com a Troika)
Rever o regime jurídico dos serviços municipais de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos, em consonância com os princípios e boas práticas constantes do Regime geral das PPP
Eliminar  a clausula que permite reequilíbrio a favor do concedente apenas se a TIR  acionista  for superior ao dobro daquela que consta do caso base inicial.
Exigir estudos de viabilidade económico-financeiro, comparador público,   e a análise dos riscos específicos do projeto, em termos da comportabilidade dos encargos e benefícios envolvidos para o concedente
Rever a metodologia inerente aos processos de reequilibrio e limitar os eventos a considerar.
Transferir o risco de  construção, gestão, exploração, manutenção, conservação e financiamento dos serviços concessionados para a concessionária.
Aplicar o Decreto-Lei n.º 194/2009, de 20 de agosto, devem ser acautelados princípios e pressupostos elementares constantes do regime geral das PPP e do Código dos Contratos Públicos.
Rever em baixa as expetativas de remuneração inicial dos acionistas da concessionária, especialmente TIR acionistas  superiores a 10% .

Outras recomendações
Mas é urgente ir mais além para corrigir os excessos das PPP, aplicando outras medidas recomendadas, sem as quais as PPP continuarão a apresentar riscos inaceitáveis para o contribuinte (fiscal risks).  É necessário BLINDAR as PPP contra os erros de gestão. 
- O concedente público deve quantificar e orçamentar or cabimentar todos os encargos,  previsíveis e não só,  com a concessão,  durante pelo menos 10-anos, e passivo com as PPP deve ser incluído no limite de endividamento público   e aprovado anualmente na Assembleia Municipal ou na Assembleia da Republica.  O passivo com PPP é divida comercial mas acarreta mais riscos do que a dívida pública financeira, e deve estar sujeito a  limites pre-aprovados, aplicando o artº 31 da Lei de Enquadramento Orçamental na íntegra.
- Deveria haver um limite aos excesso de encargos liquidos para o Concedente, relativamente aos valores do caso base devidamente cabimentados,  por qualquer motivo, que lhe permitisse resgatar a concessão e abrir novo concurso.  Isto poderia servir de travão automático às reclamações de reequilibrio sucessivo, pondo termo a contratos problemáticos.
- As tarifas devem estar sujeitas à Regulação económica da ERSAR, que deve prevalecer sobre as clausulas contratuais no que respeita à confortabilidade das tarifas ao utilizador e à qualidade de serviço. Em muitos países, esta revisão pelo regulador sectorial é feita cada 5 anos anos, em termos que os concessionários conhecem e aceitam quando concorrem à concessão. Isto serve de tecto e de pre-aviso às concessionárias que as suas pretensões de aumento de preço terão limite e que terão que apostar na eficiência. Para isto será necessário explicar à Associação de Municípios porque é que os monopólios naturais de serviços públicos têm que ser sujeitos a regulação independente, como se aprende nas às aulas de economia
- Os responsáveis pela gestão imprudente e danosa dos contratos de concessão existentes devem responder perante a justiça, para que se venham a conhecer bem as consequências.

A má gestão das PPP, incluindo as municipais, foi um dos principais factores que levou o rating the República Portuguesa ao lixo.  Se deixarmos passar, voltará a acontecer. 

Mariana ABRANTES de Sousa
PPP Lusofonia


Fontes:
Maia (2000) Transição epidemiológica, infra-estruturas urbanas e desenvolvimento: a cidade do Porto,  Análise Social http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1218811605V0pTE5ay7Qo57FI9.pdf
Artigo 31, Lei de Enquadramento Orçamental  http://ppplusofonia.blogspot.pt/2010/05/leo-lei-de-enquadramento-orcamental-vai.html 
Relatório 3/14 do Tribunal de Contas http://www.tcontas.pt/pt/actos/rel_auditoria/2014/2s/audit-dgtc-rel003-2014-2s.shtm
Associação de Municipios contra a regulação de monopólios  http://www.tsf.pt/PaginaInicial/Economia/Interior.aspx?content_id=3655914
 AEPSA (Associação das Empresas Portuguesas para o Sector do Ambiente)  http://economico.sapo.pt/noticias/aepsa-alertou-governo-para-distorcoes-nas-ppp-das-aguas_188244.html

2 comentários:

  1. Alguém tem explicar aos autarcas porque é que o preço da água tem que ser regulado por um regulador independente porque se trata de um serviço público monopolista.

    http://www.tsf.pt/PaginaInicial/Economia/Interior.aspx?content_id=3655914

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  2. Com a aplicação da Lei nº 73/2013, compromissos dos municípios e das freguesias pelo Estado.
    Sem prejuízo das situações legalmente previstas, o Estado NÃO pode assumir responsabilidade pelas obrigações dos municípios e das freguesias, nem assumir os compromissos que decorram dessas obrigações."
    ... que não impediu o sobre-endivicamento de alguns municipios...

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