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quarta-feira, julho 06, 2011

Portugal e Grécia apanhados no jogo do empurra entre credores oficiais e privados

O jogo-do-empurra de como ajudar a Grécia, e os outros países periféricos, a sair da crise de sobre endividamento entrou agora numa nova fase, com os credores oficiais europeus a tentar envolver os credores privados numa solução de longo prazo.

Enquanto alguns continuam a censurar os gregos pela sua indisciplina financeira, os principais analistas já tinham chegado à conclusão que o resgate de €110 mil milhões aprovado em Maio 2010, dos quais €53 mil milhões já foram desembolsados, não iria ser suficiente para repor a sustentabilidade da economia grega, ainda que apoiado em fortes medidas de austeridade.    

E Moody's acaba de reduzir o rating de Portugal para níveis especulativos porque considera que o resgate de €78 mil milhões também será insuficiente. 

Assim, o FMI, que contribuiu com 27,5% desse  Resgate I grego, avisou recentemente em Maio que não iria autorizar o desembolso da quinta tranche de €12 mil milhões em Julho 2011, a menos que houvesse um reforço de fundos para garantir os pagamentos nos próximos 12 meses. 

Isto, apesar da avaliação geralmente positiva feita pelos analistas da EU/FMI à evolução dos indicadores económicos gregos.  A Grécia reduziu o seu défice público em mais de cinco pontos percentuais do PIB em 2010, o maior corte orçamental dos países membros da OCDE nos últimos 25 anos.  E reduziu o défice da Balança de Transacções Correntes para -11,8% do PIB em 2010 e  provavelmente para -9,9% em 2011.  Mas a Divida Externa Liquida grega vai provavelmente saltar de 129,5% do PIB no final de 2010 para 140,5% em 2011. O país arrasta-se no terceiro ano de recessão (redução de -3,9% do PIB em 2011), o desemprego bate recordes acima de 16% e as greves gerais e protestos enchem a Praça Syntagma. 

Do seu lado, os credores oficiais do Eurogrupo, os 17 países do Euro, tiveram que suportar grande parte do esforço de financiamento da economia grega, com o plano de Resgate I e com a acumulação de montantes pendentes de cobrança do Banco Central da Grécia (ao abrigo do sistema TARGET) que chegaram a €87 milhões a Dezembro 2010 (e €60 milhões no caso do Banco de Portugal).  Adicionalmente, os bancos gregos e portugueses estavam a utilizar €97,7 milhões e €40,9 milhões de liquidez do ECB no final do ano passado.  De facto, os credores privados internacionais aproveitaram este período de "crise-sem-default" para reduzir a sua exposição à Grécia, e aos outros países em crise, o que forçou os credores oficiais do Eurogrupo a aumentar o seu envolvimento.


E o esforço dos credores oficiais do Eurogrupo-17 é bastante mais que proporcional à exposição dos seus bancos à divida grega.  Por exemplo, os bancos sediados no Reino Unido são o terceiro maior grupo de credores da Grécia, depois da França e da Alemanha, mas o governo britânico tem conseguido distanciar-se.  Obviamente, estes apoios aos países sobre endividados, e aos seus credores internacionais, são objecto de forte oposição da parte dos eleitores e contribuintes.


Por isso, não é surpresa que o Eurogrupo venha agora impor novas condições para liderar o Resgate II, outro pacote de resgate estimado em €85 mil milhões para a Grécia, nomeadamente a aprovação e implementação de um novo programa de austeridade, e, sobretudo, o envolvimento do credores privados na partilha do sacrifício.  E a Finlândia ainda vai exigir garantias adicionais (collateral), como já fez no passado. 


O Parlamento grego fez a sua parte a 29-Junho-2011 ao aprovar novas medidas de austeridade orçamental, no total de €28 mil milhões, junto com um ambicioso programa de privatizações estimado em €50 mil milhões. Como sempre, a prova real estará na implementação.  
Os detalhes do “envolvimento do sector privado” ainda estão por definir e a sua negociação vai fazer correr muita tinta. Em princípio, espera-se um contributo de €30 mil milhões dos credores privados, cerca de 25% da exposição de €116 mil milhões dos bancos dos seis principais países credores, incluindo o Reino Unido e os Estados Unidos. Isto fica bastante abaixo do “haircut”de 40% que se comenta e parece estar implícito nas taxas de juro.
Este contributo dos credores privados pode vir a tomar a forma de novos créditos de longo prazo (new money) ou a forma de reestruturação voluntária da dívida existente (prolongamento de prazos, ou redução de juros), o que as agências de rating poderião classificar de “default selectivo”. 


O ECB mantém a sua oposição a qualquer solução que implique a classificação da dívida grega em default, ameaçando deixar de aceitar activos gregos como caução nas suas facilidades de liquidez. É possível que o ECB necessite de apoio especial dos seus accionistas para continuar a prestar liquidez aos bancos de países membros que entrem em default.


Adicionalmente, a declaração de um “credit event” permitiria aos investidores accionar a protecção dos CDS, crédit default swaps, uma possibilidade que parece aterradora para o mercado. Os CDS registados representam pouco mais de 1% da divida grega, e não se sabe ao certo quem terá vendido protecção contra o default da Grécia, contra prémios leoninos acima de 10% e 15%.


Curiosamente, alguns analistas estimam que o grosso do “envolvimento dos credores privados” venha dos investidores locais, isto é dos bancos, fundos de investimento, fundos de pensões e aforradores gregos, ficando os credores internacionais praticamente a salvo. Este estranho resultado do “jogo do empurra” seria uma situação praticamente sem precedentes na Europa moderna, pois os investidores locais seriam duplamente sacrificados, com maior carga fiscal e com maior perda de valor dos activos. 
De facto, a crise de endividamento dos países da Eurozone está a entrar por “mares nunca dantes navegados” em termos de finanças internacionais.

Desde logo, os programas de ajustamento negociados com o FMI são muito diferentes do habitual, na medida em que referem poucas medidas para o sector externo e para a balança de pagamentos. Ainda está por provar, se um país consegue fazer ajustamentos desta magnitude só com austeridade interna e sem os tradicionais instrumentos de política externa incluindo desvalorização, tarifas alfandegárias e ajustes na política monetária e de crédito. 

Depois, o habitual jogo-do-empurra entre os credores é bastante mais complicado sem a diferença da moeda, que permitia distinguir facilmente entre credores internacionais e os investidores locais. 


Houve tempos em que a reestruturação de dívida externa privilegiava os investidores obrigacionistas, que conseguiam escapar à obrigatoriedade de reestruturar a divida existente e de contribuir novos créditos, por serem detentores de “obrigações ao portador”. Nos 1980’s, esta fuga era pouco importante porque a dívida externa dos países da América Latina era sobretudo dívida bancária.  


Com a integração financeira da Eurozone, estamos numa situação desconhecida, de “tudo ao molhe e fé em Deus”. Previsivelmente, qualquer tentativa de impor cortes nos valores dos activos detidos pelos investidores e aforradores locais resultaria numa fuga de capitais de proporções e consequências imponderáveis. 


Se o Estado tem um problema de sobre endividamento em geral, o país no seu todo tem um problema de excesso de dívida externa, em boa parte devido ao facilitismo na concessão de crédito da parte de credores internacionais e à falha de regulação prudencial nos países de origem dos bancos credores. 

Se é verdade que os credores internacionais, cujo facilitismo fez parte do problema, devem, voluntariamente, fazer parte da solução, não haverá mesmo solução nenhuma sem os aforradores locais.

Nesta guerra de nervos, a redução do rating de Portugal é mais um aviso ao Eurogrupo de não continuar a insistir que os credores privados internacionais participem na solução.   Os contribuintes que paguem a crise. 

Os contribuintes gregos, portugueses, irlandeses e islandeses já estão a pagar. 

Mariana Abrantes de Sousa
Economista - PPP Lusofonia


O conteúdo deste artigo fez parte da discussão transmitida no programa  Comissão Executiva da ETV de 4-Julho-2011

VER também exposição dos bancos internacionais
  http://ppplusofonia.blogspot.com/2011/07/distribuicao-da-exposicao-bancaria-da.html 

14 comentários:

  1. O corte do rating de Portugal, que antecipa um eventual agravamento da nossa situação, pode ser visto como um contra-ataque dos investidores internacionais privados no jogo do empurra com os credores oficiais do Eurogrupo.

    Os credores privados estrangeiros não querem participar no sacrificio, e não vão desarmar enquanto não passarem o custo todo para o contribuinte, isto é para o Steuerzahler.

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  2. UK authorities, who let Britain-based banks run amok in Iceland, are taking legal against Iceland because local voters rejected plans to refund foreign depositors.

    This is one way to cover up regulatory failure.
    The modern equivalent of gun-ships in the harbour taking over customs collections.

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  3. ECB has decided to suspend the application of the minimum credit rating threshold ... for the purpose of Eurosystem credit operations in the case of marketable debt instruments issued or guaranteed by the Portuguese government

    This suspension will be maintained until further notice

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  4. "The bigger question for the ECB is why, 18 months into the crisis, it continues to outsource such a
    central role to rating agencies in determining its own crisis policies."

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  5. Investors, and their rating agencies, have come to expect that taxpayers will always bail them out of any mistaken credit decision.

    Everywhere, except in heroic Iceland!

    Why not chase higher yields if you can lay off the corresponding risk!

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  6. The FT says: "The impasse leaves us ...

    "In the short run, the only way to bring the private sector into a voluntary scheme s a debt swap, to be organised by the European financial stability facility. That is currently not possible because the EFSF is not allowed to purchase bonds in secondary markets. Germany, in particular would have to change its position on this issue. But the Germans are among those who are pushing the hardest for private-sector participation.
    Source: FT
    http://www.ft.com/cms/s/0/675c1106-ab1a-11e0-b4d8-00144feabdc0.html#ixzz1RmdxdzGLi

    Any solution will need to favour domestic investors, particularly families,if it is to avert capital flight.  

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  7. Any (external) debt resolution should favour domestic investors, if it is to avert capital flight of huge proportions. Domestic savers, investing in their own Government and currency, were never a part of the problem, and they must not be alienated because they must be part of the solution, in contrast with speculative external "hot-money" which washed over these economies like a tsunami.

    Euro taxpayers should apply their bail-out funds sparingly, using them only to secure effective debt relief.
    With a single currency, it may be difficult to unravel who's who, but this is probably the key reason for avoiding the declaration of default that would penalize all investors equally.
    If this key distinction is overlooked, it may be useful to look much further shouth to see what Argentina did wrong-

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  8. 1. As agências de rating, são como o nome indica, meros AGENTES, não tomam decisões para aplicar o seu próprio dinheiro. E são agentes dos investidores, não dos devedores.

    2. Qualquer família endividada corre mais risco de divórcio, mas não é assim que resolvem o problema financeiro. Por isso há tantos novos-pobres divorciados.
    Igualmente, sair do Euro não resolveria o problema de excesso de endividamento e de falta de competitividade e de autonomia económica das economias mais frágeis.

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  9. No primeiro semestre de 2011, o défice grego atingiu os 12,8 mil milhões de euros, mais 28% face ao mesmo período de 2010, ultrapassando o objectivo previsto em mais de dois mil milhões de euros.
    As receitas fiscais desceram 8,3% até Junho, enquanto as despesas aumentaram 8,8% face ao primeiro semestre de 2010.

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  10. Moody's warning of "possible downgrade of the the US Govt given the rising possibility that the statutory debt limit will not be raised on a timely basis", follows the "greater fool" principle of credit analysis:
    A borrower is good to lend while it enjoys the confidence and access to countless foolish creditors who will help to push the debt snow ball up-hill, regardless of the borrower's own economic financial fundamentals. Some creditors even like to keep all loans to 90-days and force regular clean-up periods to make sure they're not left holding the bag when borrower goes south.

    Good business, if you can get it...

    But, in reality it is ABSURD to maintain the AAA rating just because the debt ceiling can go up and up indefinitely. In assessing debt and sustainability, it's better to remember that what goes up must, eventually, come down.

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  11. VER documentário sobre as causas e consequências da crise do endividamento externo excessivo.

    E as soluções?

    http://www.debtocracy.gr/indexen.html

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  12. Any orderly debt workout solution requires sharing the sacrifices.
    The less sharing of sacrifices, the more disorderly the "solution", the higher the stakes and the greater the risks for all involved.

    The job of the lead debt negotiator is to force everyone to the table, to punish the big free riders,etc.

    And the stakes in the Eurozone could not be higher, and we don't need the rating agencies to tell us that.

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  13. The current Eurozone debt crisis is following some olassical debt workout strategies.
    Finland is currently posturing as the Small Creditor Gambit: Small creditors are uncooperative,asking for special treatment and extra collateral hoping to force all the sacrifice onto to the borrower and/or the big creditors.
    Debt workout 101
    What's the big surprise?

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  14. Morgan Stanley and MBIA split the difference to settle CDS lawsuit

    Morgan Stanely will take a $1.8 billion loss for the fourth quarter of 2011, or $1.2 billion after a tax credit.

    And MBIA is paying Morgan Stanley $1.1 billion.

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