António Gaspar, economista, e Mariana Abrantes de Sousa, economista, analisam o chumbo do Tribunal Constitucional à lei de requalificação da Função Pública, num debate conduzido pela jornalista Catarina Machado. "Conselho Consultivo" de 30 Agosto de 2013.
Segundo as principais notícias financeiras da semana, o FMI vai insistir na redução do salário mínimo enquanto o Tribunal Constitucional diz que o Estado não pode dispensar trabalhadores excedentários.
Segundo as principais notícias financeiras da semana, o FMI vai insistir na redução do salário mínimo enquanto o Tribunal Constitucional diz que o Estado não pode dispensar trabalhadores excedentários.
É difícil dizer quais dos dois
está mais longe da realidade portuguesa.
O que é fácil de prever, é que
a carga fiscal vai continuar a subir em Portugal.
FMI
a leste da realidade portuguesa
O FMI insiste na redução do salário mínimo em
Portugal, e nos outros países deficitários, para reduzir os salários nominais já que não podemos reduzir os salários reais
com uma desvalorização. Mas o FMI não
se lembra de insistir com a Alemanha e a Holanda para aumentarem os seus
salários, o que ajudaria Portugal
a recuperar competitividade em relação aos seus parceiros da
Eurozone. Afinal de contas, trata-se de
um problema de corrigir a divergência na remuneração relativa, por unidade de produção,
não de excesso de remuneração absoluta, uma vez que estamos a falar de salário
minino de €485/mês, vezes 14.
Mas já sabemos que a solução
promovida pelo FMI para a
crise de balança de pagamentos e de endividamento da Eurozone implica um a receita francamente
assimétrica, desigual e portanto injusta. Isto contraste com as
ajustamentos externos clássico, baseados nas desvalorizações e na compressão
das importações, que repartiam os sacrifícios mais equitativamente entre os credores/
exportadores e devedores/importadores. O FMI demonstra
que também ele tem medo do poder dos credores nos mercados financeiros,
que podem facilmente desencadear ” tsu-moneys “ devido a ultra-liberdade de
movimento de capitais.
Mas esta insistência do FMI em reduzir os salários mais baixos está
errada por outras duas razões:
Portugal é dos países que tem
salários mais polarizados. Os salários
da faixa mais baixa não são excessivos
nem em termos absolutos em termos negativos, e já estão a cair. Portugal não
tem recursos públicos para subsidiar os salários mais baixos, como faz a
Alemanha no caso dos mini-jobs. Muitos trabalhadores precários já
recebem bem menos do que o salário mínimo, pois não conseguem trabalhar um
horário completo de 40 horas por semana. Os salários dos jovens podiam ser mais
baixos para permitir a entrada no mundo do trabalho, mas quem são os
empresários que estão à espera de salários
de 400€ para recrutar mais jovens
de 20 anos?
Depois, a redução dos salários
não vai resolver o problema da balança comercial a curto prazo. Portugal já está
a demonstrar que consegue reduzir o défice externo, cortando nas importações
supérfluas e virando as exportações para mercados não-tradicionais, fora da
Eurozone.
Expansão
na Alemanha e Holanda essencial para o ajustamento dentro da Eurozone
Se o FMI quer promover o reequilibro do
comércio dentro da Eurozone, deveria passar a insistir também no ajustamento e expansão dos países superavitários. E para reduzir
as nossas importações não é necessário “reduzir drasticamente o poder de compra
dos portugueses”. Podiam tomar –se
outras medidas mais directas, como tributar o crédito ao consumo, aumentar os
incentivos à poupança, e reduzir os horários dos centros comerciais e a febre
do consumismo de bens importados. Se as lojas continuam a fechar aos domingos num país rico como a Alemanha,
porque é que estão abertas todos os dias em Portugal?
O corte nos salários não vai
resolver o problema da competitividade internacional porque não ataca as
verdadeiras causas, que estão sobretudo na fragilidade do tecido empresarial português
e na persistente promoção das importações. O que Portugal precisa é de
uma política de comércio externo agressiva e eficaz, apostando na promoção da
exportação de bens e serviços, com acesso a credito à exportação, etc.
Sobre
as receitas do FMI, podemos concluir:
Triste receita a do FMI que sacrifica os trabalhadores mais
vulneráveis para que possamos continuar a importar smartphones a pagar juros sobre juros e a salvar os nossos credores
externos das consequências do crédito mal parado que nos concederam.
Tribunal
Constitucional a leste da crise
Entretanto, também o Tribunal
Constitucional continua a leste da crise, no universo paralelo, onde
ainda existem postos de trabalho garantidos. O TC ainda não deu conta que
o Estado, como qualquer entidade patronal em risco de falência necessita de
flexibilidade para redimensionar a sua força de trabalho e os
seus encargos. Ora, o TC insiste que a Constituição não permite que o Estado corte certos subsídios insustentáveis nem dispense trabalhadores excedentários.
É
uma questão de sobrevivência económica:
quem não verga, parte
De que é que adianta falar da
“reforma da Administração Pública”, entenda-se por racionalização e redução do
Estado, se depois não é possível dispensar os trabalhadores excedentários. Porque é que não é possível reafectar
recursos humanos do sector público para o sector privado? Os convivas à “mesa
do Orçamento, na Administração Pública, nas empresas públicas e em outros organismos dependentes do orçamento
do Estado, estão todos de “pedra e cal”,
agarrados aos seus direitos adquiridos e ao bolso do contribuinte.
É evidente que para continuar
a a pagar esse trabalhadores excedentários, os professores com “horário
zero” e outros, só há duas fontes. Ou
mais dívida, à vista ou escondida, ou
mais impostos. Mas os credores externos já não querem emprestar mais dinheiro para
este efeito pois a divida pública já ultrapassou todos os limites. Resta os
restantes trabalhadores pagarem mais impostos, para sustentar os direitos insustentáveis que
foram "garantidos" por políticos irresponsáveis.
Por uma Constituição sustentável
Entretanto, ninguém tem
coragem para propor a regra constitucional que
efectivamente falta, contra a acumulação excessiva de divida pública. Esse limite de endividamento sustentável já existe em alguns outros países, e serviria de condicionante mais oportuno tanto aos credores
“mãos largas” como aos eleitores que seriam
obrigados a desconfiar das esmolas e
promessas eleitorais.
Sobre o TC, podemos
concluir: Triste constituição esta que protege os interesses
instalados aumentando a factura para as
gerações vindouras.
A bolha rebentou, os credores
externos não querem assumir as perdas, os credores internos
(funcionários e pensionistas) muito menos. Quem paga? O mexilhão do contribuinte.
Mariana ABRANTES de Sousa
PPP Lusofonia