O homem que calculou o verdadeiro défice público grego foi condenado a dois anos de pena suspensa. Um caso revelador das fragilidades da construção europeia. A independência passa a exigir heróis.
O caso do estatístico grego, por Helena Garrido 14/9/2017
Fonte: http://observador.pt/opiniao/o-caso-do-estatistico-grego/
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Numa história que envolve pormenores tão rocambolescos como a espionagem do seu mail — e que pode ser lida em pormenor aqui –, o então presidente do instituto de estatística começa a viver um pesadelo em 2011. É nesta altura que a justiça grega aceita investigar a acusação de que Andreas Georgiou inflacionou o défice público grego de 2009 prejudicando o país. Entre os mais variados processos, com recursos e anulações, a última decisão condena Andreas Georgiou a dois anos de prisão, neste caso por não ter levado a votação o valor que apurou para o défice público.
Nestes seis anos, o homem que desempenhou a sua profissão de estatístico de forma independente, que expôs a realidade financeira que os governos gregos anteriores tinham escondido, tem sido obrigado a defender-se por sua conta e risco, sem qualquer apoio institucional. Neste artigo da Bloomberg são revelados os apoios que tem tido de colegas e amigos para suportar os custos da sua defesa.
O caso do estatístico Georgiou mostra até que ponto pode ser perigoso exercer com independência a liderança de instituições e cumprir as regras europeias ou até estatísticas. Para respeitar as regras europeias – que deveriam aliás ser as de qualquer democracia -, o presidente de uma instituição pode enfrentar pena de prisão no seu país, pode ser acusado de trair a pátria. E se isso acontecer tem de se defender sozinho, tem de arranjar dinheiro para advogados.
Nenhum caso foi tão longe como este. Em Portugal também ouvimos e lemos, em momentos mais dramáticos, acusações de traição da pátria quando quem está a governar quer esconder informação. Na realidade, o que se está é a ameaçar os interesses do governo instalado na altura. Nunca se chegou ao ponto de processar ninguém mas, no último ano, por exemplo, assistimos ao condicionamento de instituições como o Conselho de Finanças Públicas.
O que aconteceu ao ex-presidente daquele que é o equivalente grego do nosso Instituto Nacional de Estatística (INE) expõe, de forma kafkiana, as incongruências da construção europeia. Enquanto presidente da autoridade nacional de estatística, que responde perante o Eurostat, entidade independente ligada à Comissão Europeia, Georgiou, como todos os seus colegas, é obrigado a respeitar as regras e as metodologias europeias. Mas perante o sistema judicial nacional está exposto a acusações de “inflacionar” números, transformado no “culpado” que desculpabiliza os erros dos governos.
Foi a falta de independência e poder das entidades que contabilizam o défice público que nos conduziu à “surpresa” da crise das dívidas soberanas na Zona Euro. Em Portugal, ainda que numa dimensão mais reduzida e sem o mesmo dramatismo, também se descobriu em 2011 que havia despesa não contabilizada, que o défice afinal era maior do que se dizia. A falta de transparência das contas públicas jogou até contra nós na altura do pedido do empréstimo – demasiado curto para as necessidades que tínhamos.
Como a independência política das instituições parece requerer cada vez mais heróis e o tempo não é de heróis, corremos um risco sério de assistirmos à repetição do passado. Por aqui, em Portugal, condiciona-se atacando ou tentando descredibilizar quem tem poder para ser independente ou não dando às instituições os recursos necessários. É a primeira fase de limitação da independência que dá aos governos o poder absoluto que não deveriam ter. As regras europeias podiam e devia dar uma ajuda, protegendo quem como Georgiu luta pela independência e transparência da informação
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